Jack White e o problema de lançar música atualmente
Lançamentos surpresa são luxo de artista mainstream, basicamente
Pessoas que compraram nas filiais da Third Man Records na última sexta-feira (19) ganharam um brinde inusitado. Um vinil de 12 polegadas sem qualquer identificação a não ser pelas palavras NO NAME impressas nas etiquetas de cada lado. Logo, a verdade começou a surgir entre fãs: era um álbum novo de Jack White.
Nenhuma informação oficial foi divulgada, mas os boatos são que esse disco não aparecerá em streaming e a tiragem foi realmente limitada. Somente quem conseguiu uma cópia nas lojas, ou através do clube de vinil da Third Man, terá o álbum. White, por sua vez, estimulou pessoas a piratear o trabalho, mostrando um desprendimento financeiro em troca da arte e da experiência coletiva.
Alguns acusam golpe de marketing (o que no mundo da música não é um golpe de marketing?), mas julgo o buraco ser mais profundo.
Estamos há 25 anos em um período no qual a morte da indústria musical é profetizada com frequência. Isso se dá em parte porque o período imediatamente anterior a esse calhou de ser o mais bem sucedido da história, com uma mudança bem sucedida de formato físico dominante forçando todo mundo a comprar suas coleções em CD. A festa acabou pois subestimaram o poder da internet.
Hoje em dia, a popularização do streaming trouxe alguns benefícios e muitos malefícios. Nunca se valorizou menos música. Nem mesmo quando o normal era baixar álbuns inteiros através de file sharing o trabalho de artistas foi tratado tão mal. O CEO do Spotify, Daniel Ek, justifica pagar décimos de centavo por stream porque a alternativa não seria financeiramente viável. Sério.
E uma das maneiras encontradas para fazer álbuns parecerem eventos são lançamentos surpresas. Beyoncé começou a moda em 2013, com seu álbum homônimo, disponibilizado com clipes para todas as canções numa sexta-feira em dezembro. Sem qualquer precedente.
Um pouco de contexto: até 2015, o padrão internacional da indústria era lançar música nova nas terças-feiras. Além disso, dezembro é considerado um período morto, pois todas as publicações musicais fecham suas listas no início do mês e param de resenhar coisa nova. Beyoncé mudou tudo isso.
As publicações precisaram se desdobrar para cobrir o álbum. Um público desacostumado com lançamentos de tal porte tão perto do fim do ano foram sacudidos de um estupor. Quando a International Federation of the Phonographic Industry anunciou a mudança da data para sexta em 2015, a então CEO Frances Moore citou a cantora americana como um dos motivos principais.
E o que isso tem a ver com Jack White? Uma das maneiras que artistas encontraram para fazer seus lançamentos surpresa ainda mais especiais é a disponibilidade de vinil. O formato abandonado nos anos 90 pela indústria se tornou novamente cultuado, embora a fatia de vendas físicas hoje em dia seja tão pequena a ponto de se caracterizar um luxo. Vários artistas de grande porte essencialmente criaram uma escassez de recursos no setor ao criar uma demanda gigantesca.
Taylor Swift, Adele, Billie Eilish e outros criaram um engarrafamento em fábricas de prensar vinil que afetaram principalmente artistas independentes, o setor da indústria mais dependente de vendas em vinil. Não havia espaço nas agendas, logo não havia mais mídia física a se disponibilizar.
Em março de 2022, Jack White publicou uma carta aberta à indústria, urgindo investimentos em infraestrutura para evitar que esse tipo de coisa se repita. Ele citou o sucesso da Third Man Records, uma gravadora com sua própria fábrica na qual prensa seus próprios discos.
Tudo isso para dizer: a estratégia de lançar um álbum surpresa e o distribuir gratuitamente entre clientes de suas lojas funciona para Jack White porque ele detém os próprios meios de produção. Ele não precisa de gravadoras major a esse ponto da carreira, tendo construído uma marca de sucesso através de sua música. E para crédito dele, o músico usa essa plataforma na promoção de outros artistas.
Mesmo assim, é fácil falar para seguir o exemplo de grandes estrelas do mundo da música quando essas tempo um aparato industrial ao seu dispor, enquanto artistas independentes não.
O que estou vendo
Esse vídeo do youtuber Patrick (H) Willems sobre “Grand Prix”, filme dirigido por John Frankenheimer em 1966, aborda um aspecto super interessante e pouco discutido em crítica de cinema. Quase nunca se fala sobre limitações tecnológicas de uma época, e como inovações levam a uma nova linguagem fílmica.
O neo-realismo italiano e a nouvelle vague devem muito ao desenvolvimento de equipamento cinematográfico mais portátil – criados pela necessidade de filmar propaganda durante a Segunda Guerra. Frequentemente, esses movimentos são debatidos em termos completamente divorciados da logística da época, e isso me frustra (Sim, estudei cinema. Deu pra perceber?).
De qualquer jeito, um ótimo vídeo sobre um filme do caralho.
O que estou escutando
Falemos dos méritos musicais do álbum do Jack White. Ao longo de sua carreira solo pós-White Stripes, o cantor e compositor me pareceu ter perdido a faísca que seu trabalho nos anos 2000 esbanjava. Sempre julguei que a ausência de limitações o afetasse negativamente. Ele e Meg possuíam uma química musical absurda, e o estilo idiossincrático da baterista servia para diferenciar o som. Mesmo assim, o músico falou ao longo dos anos sobre como impunha limitações sonoras ao grupo, na busca de estimular sua criatividade.
Dinossauros do rock todos passaram por um momento na carreira no qual dinheiro não era mais um problema, e as gravadoras lhes davam carta branca. Eles então descobriram efeitos doidos nos anos 70 e tentaram ver se funcionava na guitarra e outros instrumentos. Os resultados sempre foram inconsistentes. Jack White passou por essa fase nos álbuns solo, e teve a mesma sorte.
Nesse disco novo ele faz o mais próximo que pode chegar da obra do White Stripes. Certos momentos me lembram a estreia homônima, outros “White Blood Cells” – meu preferido deles –, com algumas pitadas do experimentalismo de “Icky Thump”. Mas ainda existem resquícios da carreira solo ali, particularmente dos aspectos mais frustrantes.