Som imersivo em 3D de c* é rol...
Dolby Atmos ou spatial sound em streaming não significam som melhor
Quando era mais jovem, algo curioso aconteceu com meu computador. Certos vídeos de youtube simplesmente não tocavam áudio, e eu não entendia a razão. Vasculhei fóruns, tutoriais, mas não encontrei explicação. Numa tentativa desesperada de compreender, pedi para um amigo que entendia melhor de computadores olhar.
Ele não precisou nem de cinco minutos, para vergonha minha e de praticamente toda internet, que falhou em me ajudar. O áudio do meu computador estava configurado para 5.1 surround. Esse era o problema.
O consumidor normal de música olha para uma tecnologia sonora como surround sound, 5.1, 7.1, Dolby Digital e associa a maior qualidade, quando na verdade é mais a diferença entre uma moto, um carro ou um caminhão. A comparação pode ser estranha, mas permita-me explicar.
Todas essas tecnologias precisam de um número de caixas de som para funcionar de fato, daí os números 5.1 e 7.1. Surround sound significa cercamento, pois é necessário posicionar as fontes ao redor do espectador. Todas essas tecnologias foram criadas para cinema, um meio no qual esse tipo de aplicação faz sentido pois a imersão importa.
No entanto, a maior parte das pessoas no planeta consome mídia em estéreo. Dois canais de som, seja na TV, alto-falante de bluetooth ou fones de ouvido. A minha configuração estava em 5.1 quando eu só tinha duas caixas. O áudio dos vídeos mudos era mandado para posições que não existiam no meu equipamento, logo ficava mudo. Bastou mudar para estéreo e nunca mais tive esse problema.
Dolby Atmos existe desde 2012. Foi uma tecnologia criada para cinema e 12 anos depois sua implementação em grande escala falhou basicamente por razão de custo. É caro adquirir o equipamento necessário, instalá-lo em salas e fazer a manutenção. Assim como THX anos antes. Chegamos num ponto em que a indústria fez a tecnologia de exibição cinematográfica ser cara demais para salas de bairro e até mesmo grandes cadeias.
O que fazer então para amortizar os gastos de desenvolvimento dessa tecnologia difícil de implementar? Entra em cena streaming. Spotify é o líder mundial nesse segmento, com Apple e Tidal entrando na brincadeira atrasados. As duas companhias precisavam de um atrativo.
A companhia apoiada por Jay-Z apostou inicialmente em qualidade sonora graças a seu algoritmo de compressão superior. A Apple Music, surgida depois, se apresentou mais como um serviço multimídia, com rádios e curadoria além de streaming. Mesmo assim, Spotify permanecia líder. Foi a primeira plataforma a surgir, todo mundo já estava lá. Tinha seus defeitos, mas era conveniente.
Aí começaram a aparecer as opções de escutar em Atmos no Tidal e Spatial Sound na Apple Music. Mais e mais artistas mainstream começaram a fazer mixagens alternativas de seus álbuns nesses formatos. Gigantes do varejo musical como a americana Sweetwater passaram a promover os benefícios dessa tecnologia em diversos vídeos. Era necessário todo profissional que se preze trabalhar com isso.
Mas o problema persiste: a maior parte das pessoas escuta música em estéreo. Atmos e spatial sound não funcionam nesse formato. Atmos e Spatial Sound requerem um investimento enorme em equipamento de som adequado por todas as etapas da cadeia de consumo, desde mixagem e mastering para o artista até o ouvinte.
É como colocar pneu de caminhão numa moto. Não existem fontes de som suficientes, e a reprodução simulada do efeito em estéreo – feita através da maior amiguinha da galera, inteligência artificial – não tem a mesma qualidade. Até mesmo nos fones de ouvido compatíveis com a tecnologia.
Sem falar que artistas odeiam a tecnologia. Coloca mais custo na produção de um álbum, com mais uma mixagem requerida pela indústria. Se não quiserem fazer, as plataformas operam uma simulação de IA sobre a master pra imaginar como soaria nesse aspecto imersivo, retirando agência de quem tem propriedade intelectual da obra.
E pra que? Quase todo mundo escuta em estéreo. É um formato fácil de implementar que funciona há quase 70 anos. No entanto, a busca incessante por inovação tecnológica requer sacrifícios do consumidor, mesmo quando não existe benefício discernível.
O que estou vendo
Tive um sábado no qual não queria pensar na Seleção Brasileira ou no discurso tóxico em torno dela, então assisti filmes. Não sentava pra assistir vários longas em um dia há muito tempo, e a experiência me fez bem.
Revi “Milagre no Gelo” e me chamou a atenção dessa vez como nos créditos colocaram o que cada integrante do time olímpico americano de hóquei fazia na época do lançamento do filme, em 2004. Muitos foram trabalhar com finanças, investimentos e imóveis. Falo isso pois quatro anos depois, muitos deles provavelmente se fuderam na crise econômica mundial. Um deles até aparecia como funcionário do Bear Stearns, primeiro dos grandes bancos a fechar suas portas por causa da quebra do mercado imobiliário.
Muitos ex-atletas se envolvem nesse tipo de ramo pois é um jeito fácil de monetizar sua fama, sem falar de haver o aspecto competitivo associado aos esportes. Seja para o positivo ou o negativo.
Assisti também “Missão: Impossível – Acerto De Contas Parte 1”, um nome a cada dia que passa mais ridículo, considerando como o próximo filme da série, marcado para 2025, não será mais chamado de “Parte 2”. Achei o longa uma versão mais inteligente dos temas expostos em “Tenet”, sobre determinismo narrativo ditando as ações dos personagens. Contudo, enquanto a obra de Nolan tratava esse aspecto de maneira mais obtusa, Christopher McQuarrie abordou de maneira mais interessante.
Truques de mágica são um elemento constante no filme, com personagens constantemente fazendo manipulações diversas. Somos levados a acreditar numa forma de determinismo narrativo através das ações do antagonista principal, mas era tudo parte do plano. A série sempre foi sobre ilusão, e acabou pregando uma peça sensacional no espectador.
Fechei a noite com “A Noite das Bruxas”, terceira adaptação feita por Kenneth Branagh de Agatha Christie. Os dois primeiros filmes não funcionam. Os romances da escritora inglesa são pé no chão demais para os excessos cinematográficos empregados pelo diretor, sem falar nas decisões desastrosas de elenco. O timing de escalar Johnny Depp e Armie Hammer no auge dos escândalos de cada um deixa um gosto amargo.
Entretanto, tudo que não funciona nos antecessores se mostra perfeito para essa história em particular. O roteirista Michael Green pega o livro de mesmo nome e injeta elementos de horror, com elementos de grand guignol designados para fazer o espectador e, mais importante, Poirot questionarem a realidade até então vigente. Trata-se de uma desconstrução muito boa do formato e do personagem do detetive bigodudo.
Até mesmo a linguagem visual rebuscada, com excessos que em outros filmes me incomodariam, no fim fazem total sentido considerando as circunstâncias narrativas. Uma surpresa extremamente agradável.
O que estou ouvindo
The WAEVE é um projeto formado por Graham Coxon, do Blur, e Rose Elinor Dougall, ex-Pipettes. Ao contrário da corrente atual do rock inglês, focada em pós-punk, o foco dos dois é ligeiramente diferente. A dupla evoca a sonoridade experimental presente em álbuns do final dos anos 70, particularmente David Bowie e Peter Gabriel.
Ambos foram apoiadores do punk, krautrock e eletrônica numa época na qual o progressivo reinava, e ajudaram a criar a paleta sonora do pós-punk através da Trilogia de Berlim de Bowie e os álbuns homônimos de Gabriel. The WAEVE pega elementos de cada uma dessas fundações, mas não soa como pastiche. As personalidades de Coxon e Dougall – ambos artistas solo de sensibilidades fortes – transparecem em harmonia.
A estreia deles é ótima, um álbum que passou perto do meu radar em 2023 quando saiu, mas faltou tempo para apreciar no lançamento. Agora, com o segundo disco prestes a sair, no dia 20 de setembro, resolvi parar para escutar direito. Vale muito a pena conferir.