Tá cada vez mais complicado distribuir música sem passar por majors
O que fazer quando as grandes gravadoras engolem aos poucos todo meio de distribuição disponível e fazem o termo independente adquirir conotação irônica
Nesta última segunda-feira (14), o Universal Music Group anunciou a aquisição completa do Play It Again Sam Group, uma das maiores empresas da indústria musical na Europa. Em um mundo no qual o público geral discute o ramo somente com relação a gravadoras e selos, é capaz de se perder a importância desse acordo.
Estabelecido em 1983 na Bélgica, o PIAS Group é primariamente um distribuidor. Eles trabalham com mais de 100 selos pelo mundo inteiro, incluindo 4AD, Matador, Rough Trade, XL, Domino, Drag City, Mute, Warp e Sub Pop. A nata da música independente ironicamente depende justamente deles para chegar ao público.
A companhia já havia vendido 49% de suas ações para o UMG em 2022, fazendo com que o anúncio de segunda fosse iminente. Entretanto, os últimos 15 anos se provaram especialmente complicados para artistas operando fora do esquema das grandes gravadoras antes mesmo disso.
Em 2011, um armazém em Londres pertencente à Sony pegou fogo. Era o principal centro de distribuição do PIAS no Reino Unido, e a empresa estimou perdas entre 3,5 e 25 milhões de unidades. A tragédia teve ramificações drásticas na indústria musical independente, uma vez que de repente não haviam mais CDs e vinis para se vender.
Apesar de ter sido há 13 anos, não duvido que esse evento tenha pesado na cabeça da liderança do PIAS. É traumático ver a saúde financeira do seu negócio virar fumaça da noite pro dia, sem falar como a indústria em si mudou nos últimos anos.
Vinis se tornaram um artigo de luxo novamente e, embora ainda constituam uma porção minoritária de vendas físicas, representaram um formato com aumento de receita. Isso veio com seus problemas, é claro. Artistas mainstream criaram um engarrafamento de fábricas e vários artistas independentes tiveram dificuldade de aprontar seus discos a tempo do lançamento.
Isso tudo é um nível de dor de cabeça para qualquer um. O anúncio do PIAS fez questão de ressaltar como Kevin Gates, um dos fundadores da companhia, continuará na sua posição de CEO, mas quando falamos do UMG, não existe muita garantia que isso será de longo prazo.
Além disso, existe um outro fator que me deixa apreensivo quanto ao UMG. Em 2008, um incêndio atingiu parte do Universal Studios, em Los Angeles. Inicialmente, a companhia deixou claro em comunicados à imprensa nenhuma perda de valor. Entretanto, não era o caso. Pelo contrário.
O prédio que pegou fogo abrigava o principal cofre do UMG. Mais de 500 mil gravações originais foram destruídas. Masters datados da década de 40. Os acervos da Decca, Chess, Impulse, MCA, ABC, A&M, Geffen e Interscope estão perdidos. Um dos maiores tesouros da história da indústria musical. Cinzas.
A parte mais enfurecedora é que o UMG tentou acobertar essa catástrofe. O mundo só veio a saber o tamanho das perdas graças ao trabalho da jornalista Jody Rosen, do New York Times.
O Universal Music Group é o maior conglomerado musical do planeta, muito maior do que qualquer concorrente. Entretanto, eles demonstraram em anos recentes o quanto eles não se importam com música devido ao comportamento predatório da companhia e sua postura perante esse desastre.
E agora eles detém os meios de distribuição para os principais selos independentes do planeta.
O que estou assistindo
Dandadan é talvez meu mangá preferido atual. Uma história bizarra envolvendo aliens e criaturas sobrenaturais misturado com comédia romântica, cada capítulo lançado às segundas pela Jump me deixa pasmo. A criatividade de Yukinobu Tatsu não tem limites, muito menos seu senso de humor juvenil.
Quando foi anunciada adaptação de anime via Science Saru, o estúdio de animação fundado por Masaaki Yuasa (Devilman Crybaby, Keep Your Hands Off Eizouken! e Japan Sinks 2020) e responsável pela adaptação Scott Pilgrim Takes Off, eu fiquei animado. E o resultado nos primeiros episódios é ainda melhor que o esperado.
O estúdio usa o estilo maluco do material original para pirar nas experimentações, e tudo cabe na vibe anárquica da história.
Está disponível no Crunchyroll e no Netflix.
O que estou ouvindo
Knock Knock, do Smog. Para quem não conhece, essa era a alcunha adotada pelo cantor e compositor Bill Callahan até 2005, que desde então lança sob seu próprio nome. O cara é um dos meus artistas preferidos desde a primeira audição de “Cold Blooded Old Times” na trilha do filme Alta Fidelidade.
A canção é carregada por uma guitarra estilo Velvet Underground misturado com Creedence Clearwater Revival e gostei tanto a ponto de procurar o resto da discografia dele. Apesar de não haver nada particularmente igual a essa faixa no catálogo, ainda assim encontrei vários momentos nos quais fui confrontado com algo beirando o sublime. Vide “Teenage Spaceship”.
Ambas as faixas citadas estão em Knock Knock. Fica a dica.