Uma breve história do jornalismo musical moderno
Ou "Por que o capitalismo não gosta de jornalismo musical"
Nos últimos 15 anos, a civilização ocidental viu uma precarização vertiginosa do jornalismo tradicional. Há muito a se falar sobre o papel das redes sociais nesse fenômeno, seja a prática fraudulenta do Facebook de superestimar visualizações para atrair mais propaganda, ou também a mesma companhia engajando em disseminação de propaganda de extrema direita porque mantinha o público ativo na plataforma.
Entretanto, aqui o papo normalmente é de música, e essa editoria sofre com essa precarização desde seu nascimento. As artes em geral sempre foram vistas como não necessariamente fundamentais de se cobrir na imprensa porque não cumprem uma função bem estabelecida.
Mundo, País, Cidade, Economia, todos são temas que influenciam a vida de todos. Esporte não se encaixa nesse perfil, porém movimenta tanto dinheiro a ponto de se tornar essencial. Televisão e Cinema são o mesmo, pois o público quer saber informações sobre programação e quais filmes valem mais a pena gastar dinheiro.
Música é um caso especial. Não existe um impedimento financeiro forte para ouvir música. Basta um rádio de pilha. Na era do streaming, não há a necessidade de saber qual álbum mais vale gastar seu dinheiro, pois todo mundo assina o serviço de sua preferência e o ônus está embutido no preço do plano.
Então, se torna mais uma questão de atrair atenção do público. Mas é só isso? Jornalismo musical sempre precisou fazer isso. A ascensão dos Beatles virou as prioridades de consumo da sociedade de ponta cabeça, revelando como a juventude pós-guerra tinha mais poder de aquisição que nunca. Isso fez os anunciantes investirem em publicações de música pois desejavam apelar a essa parcela da população.
O NME foi de uma variante inglesa da Billboard para algo mais sério. A Melody Maker existia desde 1926, cobrindo jazz, e mudou completamente sua linha editorial para se adequar aos tempos. A Sounds lançou em 1970. Enquanto isso, nos EUA, Rolling Stone e Creem ofereciam uma versão local da mesma cobertura séria sobre o fenômeno cultural em curso. O tempo trouxe a Kerrang!, SPIN, Metal Hammer e a MTV.
Logo, a imprensa musical por sua longevidade adquiriu status de historiadora. A indústria musical sempre foi profundamente imediatista e movida por sucesso comercial, então nunca houve um esforço por parte desta de preservar o legado de artistas. A Rolling Stone viu esse vácuo e o ocupou. Agora eram os árbitros da imortalidade do pop. Os anos 90 trouxeram consigo a era do CD, do boxset. A era mais lucrativa da história do ramo.
Aí veio a internet. Não é que os veículos tradicionais estavam despreparados para isso, alguns até solidificaram sua posição mais ainda. A Rolling Stone tinha um catálogo gigantesco de entrevistas e matérias agora disponibilizadas para todo mundo, enquanto o NME, mais focado na cultura underground inglesa desde o punk, abraçou a inovação pois era apenas mais uma etapa da democratização do diálogo sobre música.
Entretanto, havia problemas maiores no horizonte. O mercado não sabia como monetizar a internet e devido a especulação galopante na expectativa de ganhos a curto prazo, a economia online quebrou. Um ano após isso, as empresas de telecomunicações passaram por uma crise ainda pior após gastarem bilhões na construção da infraestrutura.
Ah, e teve o Napster. Isso sim foi um balde de água fria. Alguns álbuns venderam mais que nunca, mas o método das gravadoras se mostrou terrivelmente ineficiente. Demissões em massa, processos contra plataformas de compartilhamento de arquivos e usuários.
O Pitchfork surgiu como um blog na segunda metade dos anos 90 e foi ganhando cada vez mais popularidade graças ao seu estilo iconoclasta – muitas vezes problemático – e foco em artistas fora do eixo. Havia um viés profundamente branco na cobertura, porém essa era feita com sinceridade. Eram pessoas com opiniões fortes defendendo o que gostavam. E aos poucos artistas independentes começaram a ganhar notoriedade internacional por causa do site.
O Arcade Fire era um grupo virtualmente desconhecido quando Funeral recebeu um 9.7 do Pitchfork. De repente, eles começaram uma ascensão que os viu ganhar o Grammy de Álbum do Ano por The Suburbs, se tornarem uma banda de arenas e ter tal ubiquidade na nossa cultura a ponto de alegações de assédio sexual e abuso contra o frontman Win Butler afetarem em nada a popularidade deles.
Aos poucos, o Pitchfork suplantou a Rolling Stone no status de legacy media musical dos Estados Unidos simplesmente porque suas defesas apaixonadas de artistas independentes mudaram fundamentalmente a cultura musical do país. Isso culminou em 2015 com aquisição do site pelo conglomerado Condé Nast, dono da Vogue, GQ e Vanity Fair.
A Rolling Stone, por sua vez, não soube se adequar aos tempos. Após diversos problemas financeiros no século XXI, o dono original, Jann S. Wenner, vendeu a revista à Penske Media em 2017.
O NME teve um período de glória nos anos 2000 devido à explosão indie tal qual o Pitchfork. Entretanto, o modelo de negócios da publicação, na forma de uma revista semanal, era muito datado. Em uma entrevista ao podcast 22 Grand Pod, Conor McNicholas – editor-chefe entre 2002-09 – discutiu como mesmo na era de maior relevância cultural da marca, ele perdia sono porque não conseguiam vender cópias suficientes para satisfazer a demanda dos donos.
Após tentarem uma recauchutada e apostar numa nova geração independente sob a editora Kristi Murison, a publicação passou por uma mudança editorial drástica em 2015. Não só o NME se tornaria uma revista distribuída gratuitamente, o foco seria expandido para abranger artistas mais mainstream. Por mais que a circulação tenha aumentado quase dez vezes, a pegada cultural do veículo sumiu. Três anos depois, a versão impressa foi extinta.
O Pitchfork sob a Condé Nast também expandiu seu escopo, porém isso fez sentido dentro de uma mudança natural da linha editorial do site, que passou por mudanças na redação. Eles souberam lidar com os tempos, porém nem isso os salvou.
Em 2024, o grupo de mídia anunciou que o site seria fundido com a GQ, e grande parte da redação foi demitida. A decisão pegou até mesmo funcionários da Condé Nast de surpresa, pois o Pitchfork era de longe o maior impulsionador de tráfego do grupo, e gerava lucro.
Aqui chegamos ao cerne da discussão. Nunca se vende cópias suficientes da revista, nunca se atrai tráfego ou dinheiro de propaganda. A verdade inconveniente é que jornalismo musical bom sempre ocorre em oposição direta ao mainstream. Trata-se de sempre ir atrás da nova onda, e arriscar apostar na coisa errada.
Isso parece capitalista na superfície, porém é aquilo. Pimenta no olho dos outros é refresco. Pode se arriscar o quanto quiser, só não com a minha grana. Se depender de quem banca, jornalismo musical seria apenas assessoria de imprensa para o mainstream.
Apesar de haver uma parte do público que não quer isso.
O que estou assistindo
Eu esperava que Becoming Led Zeppelin seria chapa branca. Todo documentário sobre banda famosa tem seus graus de “não olhemos para as partes desagradáveis”. Porém o nível ao qual Page, Plant e Jones atingem aqui é assombroso. Não esperava menção ao plágio de cantores de blues, mas quase afirmam que compuseram canções provadas em tribunal serem escritas por outros. Sem falar do silêncio sobre a esbórnia durante as turnês.
A entrevista nunca antes revelada do Bonham é maneira, e tem muitas performances de arquivo de qualidade, mas o resto estraga, tamanha a cara de pau.
O que estou escutando
Darkside é um projeto originalmente formado pelo produtor eletrônico chileno Nicolas Jaar e o guitarrista experimental Dave Harrington. Os dois haviam lançado o álbum Psychic em 2013 e nada mais. Retornaram após a pandemia com o disco Spiral, além de um formato mais de banda tradicional, auxiliados pelo baterista e percussionista Tlacael Esparza.
Nothing é o primeiro álbum do Darkside no qual Esparza é um integrante de fato, e a sonoridade reflete isso, com grooves mais orgânicos sendo incorporados à sonoridade psicodélica do grupo.